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quinta-feira, 17 de março de 2016

Vários caminhos que chegam ao mesmo lugar - Vegetarianismo 4

Por algum motivo, o ser humano sempre busca a coerência, agir conforme suas convicções éticas e morais. Entretanto, diariamente realizamos ações que não estão em harmonia com nossas crenças ou temos opiniões contraditórias ao mesmo tempo. Quando isso acontece, enfrentamos um desconforto psicológico chamado dissonância cognitiva. Um exemplo:

Você está de dieta e passa naquele maldito corredor das Lojas Americanas. Pega um chocolate e olha para ele babando. Dois pensamentos passam pela sua cabeça: 1) não posso comer, preciso perder peso e levar uma vida mais saudável; 2) só um chocolatinho não vai fazer mal nenhum, né?

Essa situação gera um incômodo e você precisa resolver a questão. Basicamente existem duas opções: manter firme suas convicções para emagrecer e não realizar a compra ou comer o doce e inventar justificativas que apoiem essa decisão.

Circunstâncias parecidas acontecem todo o tempo: quando damos um jeitinho para escapar de uma punição, mesmo quando acreditamos que qualquer tipo de corrupção é condenável (colar numa prova ou subornar um guarda), quando compramos um bem e depois percebemos que não valia a quantia paga, não querendo ir à academia ou ao término de um relacionamento amoroso.

É uma ocorrência natural, lidamos com isso o tempo todo e estamos sempre tentando reduzir o estresse que esses casos geram. Podem durar alguns poucos segundo ou anos.

Vegetarianismo como fator gerador de dissonância cognitiva

Há aproximadamente seis meses tenho feito uma experiência com meu corpo. Reduzi a ingestão de carne e comecei a pesquisar mais sobre os impactos do consumo da proteína animal no meio ambiente e na alimentação mundial.

A criação de gado emite mais gases do efeito estufa na atmosfera do que todos os meios de transportes juntos. Consome uma quantidade absurda de água, é responsável por boa parte do desmatamento de florestas e pelo genocídio de populações tradicionais. Existem vários motivos que levam pessoas a virarem vegetarianas, como questões ligadas à saúde, crueldade com animais ou religião, mas a questão ambiental foi a única que me motivou.

Assisti alguns documentários radicais que mostravam esses dados e pregavam a suspensão imediata do consumo de qualquer produto de origem animal como forma de preservar o planeta. Mas também ouvi opiniões de outras pessoas que me mostravam pontos de vista diversos.

Adoro comer e adoro carne, é um alimento saudável e apontado por diversos cientistas como responsável pelo surgimento do homo sapiens. É claro que com hormônios e aditivos não são recomendadas, assim como vegetais com agrotóxicos. 

Fiquei divido entre esses dois pensamentos antagônicos: não comer e ajudar na preservação do planeta ou continuar comendo e encontrar justificativas que não associassem o desmatamento e o efeito estufa à agropecuária.

Vários caminhos levam ao mesmo lugar

Será mesmo que a única forma de preservar o planeta é deixando de consumir produtos de origem animal? É impossível levar uma vida sustentável consumindo carne?

A resposta é não. É viável, sim, garantir um ambiente saudável sem abrir mão da proteína animal. Para isso é preciso mexer na base de produção capitalista, objetivo tão distante quanto tentar convencer todas as pessoas do mundo a virarem veganas.

O steak tartare do Bar Lagoa é um monumento à gastronomia carioca. Dizem que a carne é moída na faca (fonte da imagem)
Para isso, precisamos:

- Reduzir a população mundial: esse processo passa pelo planejamento familiar e legalização do aborto. O empoderamento das mulheres pode salvar o mundo;

- Consumir produtos da agricultura e pecuária local e familiar: o agronegócio é o grande inimigo. A produção em larga escala para exportação são os responsáveis pelo desmatamento. São as pequenas propriedades que produzem a maior parte dos alimentos;

- Maior controle dos transgênicos e patentes de seres vivos: além de pesquisas mais profundas sobre seus impactos na saúde e no ambiente, é importante não permitir a patente e controle das sementes como tem sido feito atualmente;

- Redução de consumo: não apenas de produtos animais, mas de todos os produtos. O consumismo atinge níveis estratosféricos, e a produção de coisas inúteis esgota os recursos naturais;

- Promover a geração de energia limpa e reduzir a dependência de petróleo e seus derivados;

- Além de outras ações, como prédios verdes, reciclagem, incentivo de fazendas urbanas, eficiência energética, redução do uso de pesticidas, cidades planejadas de forma a privilegiar o transporte ativo e o público e redução do desperdício.

Muita gente pode acreditar que inventei essas desculpas para poder comer carne sem peso na consciência. Talvez seja, mas esse processo me fez refletir bastante sobre como nos alimentamos e sobre nossa relação com a terra.

Achar que não comer animais é a única forma de salvar o planeta é uma visão reduzida do problema. Claro que os ativistas pelo veganismo também lutam nas causas sitadas acima, mas acredito que o desenvolvimento sustentável pode caminhar ao lado da agropecuária.

Acho que encerro aqui a série de textos sobre essa minha experiência alimentar. Continuarei não colocando bichos no prato nas minhas escolhas individuais, mas num bar com amigos comerei a mesma comida que todos, já que não existe comunhão maior entre seres humanos do que dividir o alimento e a mesa.

Outros textos sobre minha tentativa vegetariana:

1- Vegetarianismo

sábado, 20 de fevereiro de 2016

É impossível ser vegetariano sem ser chato - Vegetarianismo 3

Ir à casa de casa de alguém e recusar a comida oferecida pelo anfitrião é ofensivo em qualquer cultura, ainda mais quando o prato foi feito especialmente para a ocasião. No momento em que resolvi testar parar de comer carne, uma das minhas premissas era não virar um vegetariano chato, mas já vi que é impossível.

Partindo deste princípio (não ser chato), acabei aceitando carne, mas esta exceção resolvi não fazer mais. Terei que ser desagradável, mas tenho certeza que as pessoas que me recebem entenderão.

Mudar de hábito é um aprendizado, me deparo com situações novas todos os dias e assim vou fortalecendo minha decisão e aprendendo a me comportar quando essas circunstâncias se repetirem. Um exemplo: recentemente fui a dois dos meus restaurantes preferidos, ambos braseiros.

Os pães de alho do Sat's são incríveis

No Sat's, em Copacabana, foi muito tranquilo ficar longe dos corações de frango e da picanha. As batatas portuguesas, os pães de alho e a cebola estavam incríveis. Já no Galitos Grill, Ipanema, as opções vegetarianas não eram saborosas. Ver minhas acompanhantes lamberem os dedos no arroz à malandro (com miúdos galináceos) e no galeto picante mexeu comigo e acabei abocanhando uma coxinha. Agora sei que alguns restaurantes posso ir com tranquilidade, em outros vou precisar adotar uma estratégia que ainda não sei qual. 

Deixar de frequentar esses lugares ainda não é uma opção, construí meu relacionamento com minha namorada em mesas de bares e restaurantes nos digladiando com carcaças assadas, fritas e cozidas de animais mortos, e não seria justo fazer com que ela abra mão desses prazeres por causa de uma decisão minha. Sim, comer carne é um prazer, mas acredito que ser adulto é também saber recusar alguns prazeres.

Não acho que matar animais para comer seja errado. O leão come a zebra e assim é a natureza. Claro que é necessário respeitar alguns limites éticos neste processo, o confinamento é de uma crueldade absurda, mas não vejo nada demais em nos alimentar de bichos criados soltos com uma alimentação natural. Também não acho que faça mal à saúde, muito pelo contrário, é um alimento extremamente saudável e que teve uma importância fundamental na evolução do ser humano.

Minha questão (como já contei aqui) é ambiental, tem a ver com a devastação de florestas para criação de gado e genocídio de populações tradicionais pelo agronegócio. Por isso, dos três principais motivos que levam as pessoas a adotar uma dieta vegetariana (crueldade com animais, saúde e meio ambiente), eu acredito em apenas um, o que faz com que essa minha decisão se torne mais difícil de ser adotada por completo. Olhar aquela picanha e não tocar nela não é uma tarefa fácil, mas cada dia é um dia e pretendo ir narrando minha experiência por aqui.

terça-feira, 20 de outubro de 2015

Abro mão do meu direito a carne (Vegetarianismo - 2)

Toda minha ascendência é nordestina. Meus pais são paraibanos, assim como quase todos antes de mim. O sertanejo é, antes de tudo, um forte, e apesar de hoje desfrutar de uma vida confortável, nunca esquecerei os que foram deixados para trás nas estradas depois de cair de inanição. Mesmo que eu não saiba seus nomes, mesmo que nunca tenha visto seus rostos, carrego comigo toda a história do povo pobre nordestino e esta história é repleta de tristeza e injustiças sociais.

Vítimas da seca. Crianças e adultos jazem ao lado da linha férrea que levava para o campo de concentração de Senador Pompeu (fonte)
Já chorei ao ler relatos das secas nos jornais de décadas passadas, de uma época em que a fotografia era um raro recurso e cronistas enchiam seus textos com detalhes sobre o sofrimento de pessoas que aos farrapos, trajando nada além de trapos, abandonavam suas terras em direção a capital, incomodando com seu cheiro e sua presença as famílias de coronéis e políticos que gozavam de fartura em suas mesas. Foram criados campos de concentração para que essa gente morresse longo dos olhos de seus senhores.

Notícia sobre o Campo de Concentração dos Flagelados, publicada no Jornal O POVO, em 16/04/1932 (fonte)
Ter cintura larga era sinônimo de abundância ostentada apenas pelos coronéis. Hoje, com acesso sem restrição aos alimentos, toda mãe nordestina só fica feliz quando seus filhos terminam de comer a meia tonelada de almoço que ela prepara. Ter comida a vontade no prato é algo novo aos meus, coisa de duas gerações.

Recentemente, a partir da década de 90, milhões de pessoas chegaram à classe média e com isso puderam abastecer suas geladeiras de um jeito que nunca antes foi possível. Já nasci nesta condição social, início dos 80. Além da mesa farta, poder comer carne todos os dias é um dos símbolos mais fortes desta acensão, desta vitória que, infelizmente, muitos não puderam compartilhar. Acredito fazer parte da primeira geração da minha família a contar com proteína animal diariamente nas refeições.

Para esta mudança, o Brasil precisou se adaptar e utilizar novas formas de produção alimentar. Prover carne para todo mundo não é uma atividade fácil e requer muito espaço. Sem me alongar, a Amazônia está sendo derrubada e povos tradicionais estão sendo assassinados para abertura de pastos e plantação da soja utilizada, entre outras coisas, para produção de ração. Sem falar na poluição atmosférica, do solo e da água.

São fartas as notícias do massacre que está dizimando os Guarani-Kaiowá no Mato Grosso do Sul a mando do agronegócio. Na minha opinião, a pecuária consegue ser pior que o tráfico de drogas que coloca um fuzil na mão de uma criança. Diversos países estão apresentando bons resultados legalizando alguns entorpecentes, o Uruguai reduziu para zero o número de mortos em consequência do tráfico, mas ainda não paramos para enfrentar o problema que é o gado e a soja.

Diante desta realidade, abri mão do meu privilégio de comer carne. A criação de animais para consumo humano não é uma atividade sustentável em nenhum nível. Para conseguir um quilo de carne de pato criado no quintal de casa são utilizados 50 quilos de grãos. 

Acredito que a grande questão é: como conciliar o legítimo direito das pessoas que conseguiram acender a churrasqueira pela primeira vez agora com um meio ambiente equilibrado? Não há resposta. É muita crueldade tentar tirar o bife do garfo daqueles que sempre estiveram em situação de insegurança alimentar.

Estou aprendendo a viver deste novo jeito e é um aprendizado que envolve muitas pessoas além de mim. Minha companheira, meus amigos e minha família também estão entendendo a forma de lidar com esse novo eu. Não sei como vai ser, mas vou tentando.

sexta-feira, 16 de outubro de 2015

Vegetarianismo - 1


O Ilhados foi criado para abrigar as resenhas e fotos dos botequins insulanos. Tipo um guia de onde entupir as artérias e conseguir um infarto da forma mais saborosa possível. Felizmente a Ilha é uma terra abençoada, com diversos estabelecimentos prontos para nos colocar em contato com deus antes dos 40, se frequentados com a mesma assiduidade com que as carolas frequentam as igrejas.


Entre bois, porcos e galinhas, devo ter consumido uma fazenda inteira. Incontáveis costelas, galetos, rabadas, feijoadas, filés, linguiças, bacon e demais derivados animais capazes de deixar um viking com inveja. Mas, de uma forma muito esquisita e de um jeito como ainda não sei explicar, estou deixando isso para trás. Tenho escasseado o consumo de bichos e a cada dia que passa aumenta minha convicção a abandonar de vez a alimentação carnívora.

O motivo principal não é minha saúde nem a crueldade com os animais, mas a destruição do planeta. Mais da metade da emissão dos gases responsável pelo efeito estufa são produzidos em decorrência da criação animal, enquanto todos os meios de transporte juntos, incluindo aviões, correspondem a 13% do total. Estamos, quase que literalmente, comendo o planeta. Destruindo a Amazônia, poluindo a terra, acabando com a água. Recentes massacres contra indígenas estão acontecendo no Mato Grosso do Sul com o objetivo de expulsar populações tradicionais de seus territórios para abertura de pastos e plantação de soja, utilizada, entre outras coisas, como ração.

Não acho exagero dizer que comer carne é contribuir com a morte de índios nos rincões deste país, por isso me despedi de alguns pratos nas últimas semanas. Cabrito na Cadeg, arroz malandro com galeto picante no Galito's Grill, feijoada no botequim da esquina do trabalho, churrasco na chapa. Comi e tive certeza que não vou sentir falta, que vou conseguir passar muito e bem e feliz sem bichos mortos.

Um ponto crucial para essa minha mudança foi o documentário Cowspiracy. Abaixo é possível assistir completo e com legenda.


Comer carne não é uma atividade sustentável, em nenhuma situação, e meu desafio vai ser virar vegetariano sem virar um chato. Não sei se de fato vou conseguir, mas vez por outra passarei aqui para contar como está sendo.