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quinta-feira, 17 de março de 2016

Vários caminhos que chegam ao mesmo lugar - Vegetarianismo 4

Por algum motivo, o ser humano sempre busca a coerência, agir conforme suas convicções éticas e morais. Entretanto, diariamente realizamos ações que não estão em harmonia com nossas crenças ou temos opiniões contraditórias ao mesmo tempo. Quando isso acontece, enfrentamos um desconforto psicológico chamado dissonância cognitiva. Um exemplo:

Você está de dieta e passa naquele maldito corredor das Lojas Americanas. Pega um chocolate e olha para ele babando. Dois pensamentos passam pela sua cabeça: 1) não posso comer, preciso perder peso e levar uma vida mais saudável; 2) só um chocolatinho não vai fazer mal nenhum, né?

Essa situação gera um incômodo e você precisa resolver a questão. Basicamente existem duas opções: manter firme suas convicções para emagrecer e não realizar a compra ou comer o doce e inventar justificativas que apoiem essa decisão.

Circunstâncias parecidas acontecem todo o tempo: quando damos um jeitinho para escapar de uma punição, mesmo quando acreditamos que qualquer tipo de corrupção é condenável (colar numa prova ou subornar um guarda), quando compramos um bem e depois percebemos que não valia a quantia paga, não querendo ir à academia ou ao término de um relacionamento amoroso.

É uma ocorrência natural, lidamos com isso o tempo todo e estamos sempre tentando reduzir o estresse que esses casos geram. Podem durar alguns poucos segundo ou anos.

Vegetarianismo como fator gerador de dissonância cognitiva

Há aproximadamente seis meses tenho feito uma experiência com meu corpo. Reduzi a ingestão de carne e comecei a pesquisar mais sobre os impactos do consumo da proteína animal no meio ambiente e na alimentação mundial.

A criação de gado emite mais gases do efeito estufa na atmosfera do que todos os meios de transportes juntos. Consome uma quantidade absurda de água, é responsável por boa parte do desmatamento de florestas e pelo genocídio de populações tradicionais. Existem vários motivos que levam pessoas a virarem vegetarianas, como questões ligadas à saúde, crueldade com animais ou religião, mas a questão ambiental foi a única que me motivou.

Assisti alguns documentários radicais que mostravam esses dados e pregavam a suspensão imediata do consumo de qualquer produto de origem animal como forma de preservar o planeta. Mas também ouvi opiniões de outras pessoas que me mostravam pontos de vista diversos.

Adoro comer e adoro carne, é um alimento saudável e apontado por diversos cientistas como responsável pelo surgimento do homo sapiens. É claro que com hormônios e aditivos não são recomendadas, assim como vegetais com agrotóxicos. 

Fiquei divido entre esses dois pensamentos antagônicos: não comer e ajudar na preservação do planeta ou continuar comendo e encontrar justificativas que não associassem o desmatamento e o efeito estufa à agropecuária.

Vários caminhos levam ao mesmo lugar

Será mesmo que a única forma de preservar o planeta é deixando de consumir produtos de origem animal? É impossível levar uma vida sustentável consumindo carne?

A resposta é não. É viável, sim, garantir um ambiente saudável sem abrir mão da proteína animal. Para isso é preciso mexer na base de produção capitalista, objetivo tão distante quanto tentar convencer todas as pessoas do mundo a virarem veganas.

O steak tartare do Bar Lagoa é um monumento à gastronomia carioca. Dizem que a carne é moída na faca (fonte da imagem)
Para isso, precisamos:

- Reduzir a população mundial: esse processo passa pelo planejamento familiar e legalização do aborto. O empoderamento das mulheres pode salvar o mundo;

- Consumir produtos da agricultura e pecuária local e familiar: o agronegócio é o grande inimigo. A produção em larga escala para exportação são os responsáveis pelo desmatamento. São as pequenas propriedades que produzem a maior parte dos alimentos;

- Maior controle dos transgênicos e patentes de seres vivos: além de pesquisas mais profundas sobre seus impactos na saúde e no ambiente, é importante não permitir a patente e controle das sementes como tem sido feito atualmente;

- Redução de consumo: não apenas de produtos animais, mas de todos os produtos. O consumismo atinge níveis estratosféricos, e a produção de coisas inúteis esgota os recursos naturais;

- Promover a geração de energia limpa e reduzir a dependência de petróleo e seus derivados;

- Além de outras ações, como prédios verdes, reciclagem, incentivo de fazendas urbanas, eficiência energética, redução do uso de pesticidas, cidades planejadas de forma a privilegiar o transporte ativo e o público e redução do desperdício.

Muita gente pode acreditar que inventei essas desculpas para poder comer carne sem peso na consciência. Talvez seja, mas esse processo me fez refletir bastante sobre como nos alimentamos e sobre nossa relação com a terra.

Achar que não comer animais é a única forma de salvar o planeta é uma visão reduzida do problema. Claro que os ativistas pelo veganismo também lutam nas causas sitadas acima, mas acredito que o desenvolvimento sustentável pode caminhar ao lado da agropecuária.

Acho que encerro aqui a série de textos sobre essa minha experiência alimentar. Continuarei não colocando bichos no prato nas minhas escolhas individuais, mas num bar com amigos comerei a mesma comida que todos, já que não existe comunhão maior entre seres humanos do que dividir o alimento e a mesa.

Outros textos sobre minha tentativa vegetariana:

1- Vegetarianismo

sábado, 20 de fevereiro de 2016

É impossível ser vegetariano sem ser chato - Vegetarianismo 3

Ir à casa de casa de alguém e recusar a comida oferecida pelo anfitrião é ofensivo em qualquer cultura, ainda mais quando o prato foi feito especialmente para a ocasião. No momento em que resolvi testar parar de comer carne, uma das minhas premissas era não virar um vegetariano chato, mas já vi que é impossível.

Partindo deste princípio (não ser chato), acabei aceitando carne, mas esta exceção resolvi não fazer mais. Terei que ser desagradável, mas tenho certeza que as pessoas que me recebem entenderão.

Mudar de hábito é um aprendizado, me deparo com situações novas todos os dias e assim vou fortalecendo minha decisão e aprendendo a me comportar quando essas circunstâncias se repetirem. Um exemplo: recentemente fui a dois dos meus restaurantes preferidos, ambos braseiros.

Os pães de alho do Sat's são incríveis

No Sat's, em Copacabana, foi muito tranquilo ficar longe dos corações de frango e da picanha. As batatas portuguesas, os pães de alho e a cebola estavam incríveis. Já no Galitos Grill, Ipanema, as opções vegetarianas não eram saborosas. Ver minhas acompanhantes lamberem os dedos no arroz à malandro (com miúdos galináceos) e no galeto picante mexeu comigo e acabei abocanhando uma coxinha. Agora sei que alguns restaurantes posso ir com tranquilidade, em outros vou precisar adotar uma estratégia que ainda não sei qual. 

Deixar de frequentar esses lugares ainda não é uma opção, construí meu relacionamento com minha namorada em mesas de bares e restaurantes nos digladiando com carcaças assadas, fritas e cozidas de animais mortos, e não seria justo fazer com que ela abra mão desses prazeres por causa de uma decisão minha. Sim, comer carne é um prazer, mas acredito que ser adulto é também saber recusar alguns prazeres.

Não acho que matar animais para comer seja errado. O leão come a zebra e assim é a natureza. Claro que é necessário respeitar alguns limites éticos neste processo, o confinamento é de uma crueldade absurda, mas não vejo nada demais em nos alimentar de bichos criados soltos com uma alimentação natural. Também não acho que faça mal à saúde, muito pelo contrário, é um alimento extremamente saudável e que teve uma importância fundamental na evolução do ser humano.

Minha questão (como já contei aqui) é ambiental, tem a ver com a devastação de florestas para criação de gado e genocídio de populações tradicionais pelo agronegócio. Por isso, dos três principais motivos que levam as pessoas a adotar uma dieta vegetariana (crueldade com animais, saúde e meio ambiente), eu acredito em apenas um, o que faz com que essa minha decisão se torne mais difícil de ser adotada por completo. Olhar aquela picanha e não tocar nela não é uma tarefa fácil, mas cada dia é um dia e pretendo ir narrando minha experiência por aqui.

segunda-feira, 1 de fevereiro de 2016

Comendo eu encontro deus

Uma das melhores coisas que fica depois do término de um relacionamento é o conhecimento gastronômico. Todo contato com o outro é enriquecedor, conhecemos novas músicas, novos livros, filmes, passamos a enxergar o mundo de um jeito um pouco diferente, mas são os novos sabores, pratos e temperos que mais aprecio nesse intercâmbio cultural.

Com uma namorada aprendi a gostar de salada, me apaixonei pelas feiras de rua e comi peixe cru. Com outra me encantei pela batata baroa, milho refogado com alho e cebola, sopa de fubá com um ovo cru que cozinha lentamente apenas com o calor daquele incrível caldo amarelo num cachepo. E o molho caseiro feito com tomates italianos quase estragados e temperado com folhas frescas de manjericão recém colhidas? Sou outra pessoa depois disso.

Fui levado, de mãos dadas, para comer aquele PF incrível na Travessa do Ouvidor. E o bolo com café de Ipanema, depois do galeto apimentado? E o divino e dourado líquido que sai da chopeira mais incrível que já vi, coberta com uma montanha de gelo que me deixou com olhos arregalados, tal qual uma criança em frente do seu grande ídolo?


A comida vai me transformando diariamente, e atualmente presto muita atenção a tudo que coloco na boca. Dedico bastante tempo preparando, comprando, pesquisando. Comer também é um ato político, quero que meu dinheiro vá para pequenos produtores familiares e não para multinacionais que vendem veneno disfarçado. Quero me alimentar de produtos sustentáveis e que não agridam o meio ambiente. Quero meu corpo saudável, pois assim diminuo minha necessidade de remédios.

Ateu, que não acredita em signos, premonições, no céu ou no inferno, a comida para mim se aproxima de uma religião, já que é através dela que me relaciono comigo mesmo, com o planeta e com outros seres humanos. É minha conexão com o universo, comendo eu encontro deus.

Faz-se necessária a mudança. Precisamos repensar a forma como comemos, saber de onde vem a comida e como é produzida. Felizmente um pequeno movimento vem surgindo neste sentido. A indústria já percebeu que tem gente substituindo o pacote cheio de sódio e gordura por alimentos frescos. Também cresce a pressão contra os fast foods e governos estão adotando medidas para proteger seus cidadãos. A obesidade se tornou um problema crônico em muitos países e a reação já começou.

quinta-feira, 23 de julho de 2015

Sempre haverá quem queira fazer aborto, usar drogas, jogar e transar com prostitutas. Eu mesmo já usei todos esses serviços

Quem acha que policial dando tira na cara de criança na favela é um ato individual de um profissional despreparado está enganado. Esse tipo de ação faz parte de toda a estrutura policial que começa no Governador e passa pelas escolas de formação e pelos batalhões. É a política da instituição.

Impressionante esta entrevista dada pelo ex-policial Rodrigo Nogueira, autor do livro Como Nascem os Monstros.

(...) uma das instruções que os oficiais davam antes do efetivo sair pro policiamento era: "olha, vocês podem fazer o que quiserem, pega o pivete, bate, quebra o cassetete, dá porrada no flanelinha. Só não deixa ninguém filmar e nem tirar foto. O resto é com a gente. Cuidado em quem vocês vão bater, com o que vocês vão fazer e tchau e benção".

Na verdade essa cultura é alimentada por toda a sociedade, consequência de um moralismo babaca que nutre a rede criminosa:

Toda área de batalhão no Rio de Janeiro tem ponto de táxi, tem clínica de aborto, tem tráfico de drogas, tem oficina de desmanche, tem jogo do bicho. (...). Por que o policial não vai lá pra impedir? Porque ele tem determinação pra não ir.

Como Nascem os Monstros, de Rodrigo Nogueira

Boa parte desses problemas pode ser resolvido mudando a forma como compreendemos certos assuntos. Precisamos encarar o aborto do mesmo jeito que encaramos um procedimento de retirada de cisto. As prostitutas precisam ser tratadas como profissionais que exercem qualquer outra atividade na sociedade. As drogas precisam ser legalizadas imediatamente. Essas proibições contribuem para abastecer esse esquema de corrupção, já que sempre haverá quem queira fazer aborto, usar drogas, jogar e transar com prostitutas. Eu mesmo já usei todos esses serviços.


Uma maneira de fazer com que esses assuntos deixem de ser tabus e tratados a sussurros, escondidos e com vergonha é falar abertamente sobre eles.

Aborto

Quem não conhece alguém que já passou por um aborto? Podemos até não saber onde tem uma clínica, mas se algum dia precisarmos não demoraremos muito para descobrir. 

Outro dia li um relato de uma menina que foi realizar o procedimento. Enquanto aguardava numa sala, policiais apareceram na porta para uma batida. Depois de alguns momentos de tensão, tudo se acalmou e os atendimentos foram feitos. O arrego do mês não tinha sido pago, mas o problema foi rapidamente resolvido.

Além de ser uma questão de saúde pública, o aborto alimenta esquemas de corrupção entre policiais e clínicas.


Pornografia

Na Netflix tem um documentário chamado Hot Girls Wanted sobre pornografia na internet. Meninas que assim que completam 18 anos iniciam a carreira gravando vídeos para pequenas produtoras. Essa profissão atualmente é muito difícil de esconder da família pelo simples fato de que todo mundo procura por sexo na web. Sites com conteúdo pornográfico só perdem em acesso para gigantes como Facebook e Youtube.


Se todo mundo assiste, porque isso continua sendo tabu? Vamos falar abertamente sobre prostituição e pornografia e inserir completamente esses profissionais na sociedade, sem julgar o que eles fazem e considerando uma atividade comum. Assim, prostíbulos não ficarão mais à mercê de achaques.


Citei apenas o aborto e a pornografia, mas poderia dar exemplos semelhantes de como a proibição das drogas e do jogo contribuem com quadrilhas, extorsões e, em muitos casos, atentados contra a vida.

O mais curioso é que todos recorrem a esses expedientes e mesmo assim o tema sempre é tratado com vergonha, como se fosse algo errado. Não é. Falemos abertamente e que as Leis nos garantam acesso a esses serviços.

sexta-feira, 17 de julho de 2015

Mãe, pai, já fumei maconha e já fiquei com um cara

Certa vez, ainda adolescente, fazia um curso de formação por conta da aprovação de um projeto que escrevi voltado para jovens moradores em áreas de risco social. Diversas lideranças comunitárias estavam na turma, inclusive uma presidente de associação de moradores que queria me convidar para dar uma palestra para a juventude e falar principalmente sobre drogas, tentando convencê-los a se afastarem e a nunca darem o primeiro trago num cigarro de maconha.

Como era um aluno participativo, que conseguia expor com um pouco de clareza minhas opiniões apesar da pouca idade, ela viu em mim um garoto exemplar, ideal para conversar com outros da minha faixa etária. Pensei por alguns segundos o que responder quando, felizmente, o intervalo acabou e não pudemos continuar a conversa. Eu iria recusar o convite por um motivo simples: eu fumava maconha e não via problema nenhum nisso.

Sim, é uma confissão pública e penso no que meus pais vão pensar quando souberem disso.

Meus pais, como a maioria das pessoas na idade deles, tiveram uma educação tradicional. O fato de serem nordestinos é motivo para supor que esse conservadorismo poderia ser mais acentuado, mas felizmente são pessoas que conseguem respeitar bem as diferenças. Entretanto, não são totalmente libertários, assim como eu também não sou.

Vez por outra, quando estou com raiva, ainda chamo alguém de viado como se isso fosse uma ofensa. Esse tipo de coisa não se cura com um remédio e eventualmente o machismo e a homofobia alojados em algum ponto do meu subconsciente vêm a tona, e é um exercício diário me policiar para extinguir de vez esse tipo de pensamento.

Considero-me uma pessoa boa e, apesar de nunca ter realizado nada grande ou importante na minha vida, meus pais têm orgulho de mim, principalmente por eu não ter tomado nenhum caminho “errado”. Terminar uma pós-graduação e conseguir um emprego são para eles exemplo de conduta, e manter-me afastado das drogas sempre foi uma preocupação na educação que me deram.

Atualmente não fumo mais, mas tenho muitos amigos que fumam e usam outros entorpecentes e mesmo assim trabalham e estudam, são pessoas boas que admiro e diversas delas fazem ações transformadoras, sejam no cicloativismo ou militando nos direitos humanos e sociais.

Pai, mãe, só queria dizer que

- Não, a maconha não é porta de entrada para “drogas pesadas”;
- Não, não roubei em casa para comprar drogas;
- Não, não me prostituí por causa disso;
- Não, não larguei os estudos e deixei de trabalhar.

Pai, mãe, o que mata é a proibição.

Façam um exercício simples: quantas pessoas foram mortas por causa do tráfico no último mês? Lembre-se das matérias de jornais lidas e assistidas. Agora comparem com a quantidade de pessoas mortas de overdose. Qual foi o maior número?

Curioso ver uma política que em tese pretende salvar a vida das pessoas matar mais do que o número de vítimas do mal que ela proíbe.

As pessoas sempre vão usar drogas. Sempre usaram. Seja o açúcar ou o tabaco. Uma política eficaz precisa levar isso em consideração, como foi feito no Uruguai, que reduziu para zero o número de mortos por causa do tráfico. Imagine isso aqui no Brasil, um país sem conflitos armados pelo controle da posse de pontos de vendas. Sem jovens negros mortos na favela porque estavam na esquina vendendo maconha. Acredite, não viraremos um pandemônio com viciados morrendo nas ruas e famílias sendo destruídas com a legalização.

Resolvi escrever isso motivado pelo artigo do Cuenca que pede para que usuários de drogas saiam do armário. São muitos os estudantes, trabalhadores, artistas, pensadores, intelectuais, empresários do nosso convívio ou que estão aí na mídia e são admirados pela sociedade que são usuários. Eles não são viciados incontrolados que arruinaram com suas vidas. É possível ser produtivo como qualquer um e fazer uso da maconha, cocaína e o crack.

Por isso os coelhinhos têm olhos vermelhos
Incluo, sim, o crack neste cálculo. O problema não são as pedras, mas a pobreza e falta de oportunidades dos seus usuários. Para não me alongar muito, recomendo a leitura deste texto que explica um pouco a relação do vício com o ambiente social.

É fato que seres humanos consomem drogas desde a Idade da Pedra. É fato que a recente política de repressão falhou no mundo inteiro. Trata-se de uma das grandes tragédias do século passado que se arrasta por este: o custo social do combate armado às drogas é infinitamente superior ao custo de lidar com o uso regulamentado e legalizado dessas substâncias. A guerra não apenas não reduziu o número de usuários como matou mais do que qualquer droga seria capaz. (J. P. Cuenca)

Vamos eliminar esse estereótipo dos usuários de drogas. Dessa forma poderemos pensar com um pouco mais de clareza a respeito das políticas atualmente em voga, que claramente demostraram falidas.

Quem fuma maconha não vai, necessariamente, roubar para manter o vício, não vai partir para drogas mais pesadas e não vai largar a escola e o trabalho, assim como nem todo gay é afeminado e pervertido. E por falar em homossexualidade, também já fiquei com um cara, mas isso é outra história.

segunda-feira, 25 de maio de 2015

Paradigma da escassez e da abundância

Na faculdade, um professor resumiu assim o objetivo das ciências econômicas. Existe grande probabilidade d'eu ter entendido errado, mas foi desta forma que ficou na minha cabeça:

Os desejos humanos são infinitos, mas os recursos disponíveis no planeta são finitos. A economia administra a finitude dos recursos com os desejos sem fim das pessoas. Um exemplo: em tese, todos queremos carros e mansões, mas não existe na terra minerais suficientes para produzir tantos carros nem espaço nas ruas para abrigar os veículos, da mesma forma que não há terreno para que cada pessoa more numa casa com dois hectares, cinco andares e 40 quartos. É aí que entra a economia, gerindo, teoricamente, da melhor forma possível desejos e recursos.

Este é o paradigma da escassez, e o caminho que a humanidade achou nesta gestão foi o dinheiro. Cada pessoa possui uma quantidade x de dinheiro, conseguida através do trabalho ou dos rendimentos de seu capital, entre outras maneiras, e usa como bem quiser.

Isso para mim fez muito sentido até agora, quando vi o quadro abaixo, que mostra uma outra lógica de se pensar desejos x recursos, que é o paradigma da abundância.


Essa discussão está muito incipiente, ainda no campo da auto-ajuda e qualidade de vida, mas espero que um dia chegue às ciências econômicas.

Mudança de pensamento na academia

Meu curso de pós-graduação na Fundação Getúlio Vargas foi eleito o melhor do ano em que me formei, e estudamos a cadeia de suprimento tradicional verticalizada, ou seja, a saída da matéria-prima para a fábrica, de lá para os atacadistas, varejo, consumidor e descarte.


O problema neste processo é que depois que o produto perde utilidade,  o que sobra não é reutilizado para a fabricação de novos artigos, simplesmente vira lixo. Um novo modelo já estava sendo discutido, mas a academia não tinha atualizado seus livros e métodos de ensino. Apesar de ser uma instituição de ponta, a logística reversa não tinha chegado às salas de aula.


Na cadeia de suprimento cíclica, como no gráfico acima, o descarte vira matéria-prima novamente, alimentando uma sistema de produção sustentável. É uma mudança simples na forma de enxergar o mundo, mas com grande impacto. Assim vejo o paradigma da abundância, que espero possa ser investigado com seriedade e um dia chegar às cadeiras universitárias e ao dia-a-dia das pessoas, uma nova forma de encarar a gestão entre recursos e desejos que se faz extremamente necessária quando o objetivo é a preservação ambiental e a diminuição das desigualdades sociais.

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Atualização: logo depois que escrevi esta postagem, li esse texto que também bate de frente com o atual modelo econômico. É o decrescimento. Vou acompanhar.

quarta-feira, 18 de março de 2015

Indecente é a violência no trânsito

Muita gente não entendeu porque no Rio e em São Paulo, além de muitas outras cidades do mundo, um grupo de ciclistas se reúne todo mês de março para pedalar sem roupa pela cidade. Para os moralistas, é pouca vergonha, um protesto sem sentido que tem como único objetivo desmoralizar e escandalizar a família tradicional e fazer chacota com gente de bem. Até amigos mais próximos não entenderam, então cabe aqui uma pequena explicação.

A World Naked Bike Ride, conhecida no Brasil como Pedalada ou Bicicletada Pelada, acontece desde 2004 e a cada ano mais cidades se juntam ao protesto. Esta foi a segunda edição do Rio. De forma animada, com música, gritos de guerra, cartazes e pintura corporal, ativistas que utilizam transportes não poluentes, como a bicicletas, skates e patins, chamam atenção para algumas questões:

Eu com minha barcicleta: isopor com Heineken gelada e sistema de som com microfone sem fio

Não somos invisíveis

Parece que quando estamos pedalando somos invisíveis, já que muitos motoristas agem como se não existíssemos. Mas quando estamos sem roupa somos facilmente notados. Será que a única forma de sermos percebidos é saindo pelados?

Indecente é a violência

Outro dia alguém escreveu sobre o último capítulo da novela: "ainda bem que não teve beijo gay, só filho tentando matar o pai e a irmã". Tá tudo muito errado, indecente é a violência que toma conta desta sociedade e não demostrações de afeto e corpos nus. Indecente é motorista bêbado ser solto depois de atropelar e matar.

Temos que ter vergonha do alto índice de assassinatos no trânsito

Deveríamos ter vergonha do sangue que tinge de rubro o asfalto toda vez que um pedestre ou ciclista é atropelado. É esse tipo de coisa que deve nos fazer sentir vergonha.

Somos frágeis

Não temos airbag, nem cinto de segurança e pára-choque. Tampouco uma tonelada de aço em volta dos nossos corpos para nos proteger. Somos apenas nós e a rua. A Bicicletada Pelada também tem esse objetivo, mostrar o quanto somos frágeis quando pedalamos.

Coloquei uma caixa de som na minha bike e com o microfone fui explicando tudo isso às pessoas, principalmente quando parávamos nos sinais e passávamos em frente aos bares cheios. Tivemos alguma cobertura da imprensa que citou nossos objetivos. É uma ação simbólica, que estimula a reflexão sobre o trânsito, por isso foi vitoriosa. 

No final, todos tomamos banho no Leme, que estava com água limpa, quente e sem ondas, numa celebração à liberdade.

segunda-feira, 9 de março de 2015

A bicicleta como ferramenta contra o ódio

A rua é um lugar perigoso, um mal necessário para chegarmos, dentro de nossos carros, a locais protegidos e com segurança particular, como os shoppings. Só mendigos e bandidos gostam das ruas. Nós, cidadãos de bem, temos que ficar longe delas. Acabem com as praças, esses antros de vagabundos, e construam condomínios no lugar delas.
Infelizmente esse discurso tem crescido entre boa parte da população. Hoje não vou analisar o por quê desse incremento, mas sim o motivo pelo qual devemos lutar contra ele e voltar nos apropriar dos espaços públicos.

Fronteiras armadas
Os malefícios da segregação

Segregar fisicamente as pessoas tem consequência terríveis. Por que no Oriente Médio palestinos e israelitas estão em guerra? Porque existe um muro separando os dois. O mesmo acontece nas Coréias e no Aparthaid. Aqui na Saara árabes e judeus convivem pacificamente com suas lojas uma ao lado da outra. Já que ambos comungam do mesmo espaço, é possível perceber que não são tão diferentes. 

Trazendo isso mais para mais perto nossa realidade, para o microcosmo diário, os condomínios fechados com seus muros funcionam como em Gaza. Juntam pessoas com um mesmo perfil social, com mesma visão de mundo, e a falta de contato com o diferente é um ambiente propício para o surgimento do ódio.

Esse comportamento já vem sendo observado há tempos. Urbanistas recentes, comprometidos com a criação de cidades não violentas e felizes, estão colocando em pauta novas formas de planejamento, nas quais o convívio nos espaços públicos é estimulado como forma de diminuir a intolerância. Rico Benjamim diz que
Condomínios fechados criam um ciclo vicioso porque atraem moradores com um mesmo perfil que procuram abrigo do mundo exterior e cujo isolamento físico, então, piora a paranóia coletiva contra estranhos.
Já para Jeff Risom
Conviver com quem é diferente nos ensina a ser mais tolerantes, e essa é uma premissa importante para melhorar a qualidade de vida nas cidades.
Prefeitura arranca bancos na Lapa. A destruição do mobiliário público que incentiva o convívio e a permanência na rua está sendo destruído (fonte).

Lembro certa vez de uma reportagem na televisão sobre um BBB que tinha acabado de sair da casa com o maior índice de rejeição já registrado. Ao ser entrevistada na rua, uma senhora destilou raiva contra ele, dizendo o quanto não prestava. De repente, o cidadão aparece e, imediatamente, a senhora que segundos antes estava detonando o rapaz o abraça e beija, com um sorriso que me pareceu muito sincero. Também são fartas as fotos de Bolsonoro abraçado com Amin, artista assumidamente homossexual. São exemplos miúdos, mas representativos do quanto a proximidade física é fundamental para a boa convivência e respeito.

Na minha visão utopista, imagino todas as classes sociais, etnias, gêneros e religiões convivendo juntos nas praças e ruas da cidade, olhando o próximo de perto e se reconhecendo nele.

O diabo como aquele que separa

Outro dia, dando uma palestra sobre isso tudo numa instituição religiosa, fui abordado por um monge que me contou uma história que me deixou perplexo. Segundo ele, um dos significado da palavra diabo é separar, ou seja, a origem do mal está na segregação entre as pessoas. O diabo é aquele de divide, aparta, afasta. Há milhares de anos isso já é sabido, e mesmo assim continuamos fazendo tudo ao contrário.

A bicicleta contra ódio

Minha militância passa pela ocupação dos espaços públicos através de atividades culturais e da bicicleta. Sou bike anjo, um voluntário que ensina pessoas pedalar. Num primeiro momento, ensinar alguém se locomover sobre duas rodas pode parecer só isso, mas existe todo esse fundo político de ocupação das ruas e do combate à discriminação e ao ódio.

Como bike anjo tenho contato com pessoas fantásticas. No dia 8 de março, em comemoração ao Dia Internacional da Mulher, fui pedalar usando saia, um ato simbólico contra o machismo. Aproveitei o domingo para realizar um atendimento, acompanhando uma pessoa que sabia andar de bicicleta mas que tem medo de enfrentar o trânsito. Por coincidência, era um homem trans e militante da causa. Foi um dia fantástico, mais uma excelente pessoa que entrou na minha vida por causa da bike.

Pedalar é fazer parte da cidade por inteiro, sem muros (ou carrocerias) nos separando dela. É conexão total, meio como os Avatares fazem quando se plugam nas árvores. É saber compartilhar o espaço público, é contato olho com olho com as pessoas, ao ponto de nos vermos refletidos no outro. É perceber que não somos tão diferentes assim, e que no fundo buscamos as mesmas coisas. 

Mas a luta é dura e às vezes penso que estamos perdendo. Esta semana a prefeitura derrubou bancos que ficavam numa pequena praça na Lapa. Moradores pediram isso, alegando que mendigos usavam o espaço para dormir. E assim vamos segregando.

Textos relacionados:

Violências cotidianas
Bicicleta e emancipação feminina
Quantas vidas a rua salvou?
O Rio é rua, e a rua é as extensão da minha casa
Rua para pessoas

quarta-feira, 25 de fevereiro de 2015

Como unir minha paixão pelo carnaval com o financiamento do tráfico, milícia, corrupção e sangue de pobres africanos?

A primeira vez que assisti um ensaio da União da Ilha eu chorei. O que me encantou foi ver toda aquela gente cantando um amor pela comunidade de um jeito como eu nunca tinha visto. Uma experiência tardia, estava chegando aos 30 anos, mas suficientemente forte para fazer com que eu quisesse participar daquilo.

Me considero um ativista do espaço público. Trabalho para que as ruas sejam ocupadas pela população através da bicicleta e de atividades culturais. Tento contribuir de alguma forma para o fortalecimento da vida comunitária em detrimento do individualismo e o carnaval é uma resistência ao individualismo.

Bloco Prata Preta, mais um exemplo de união

Luiz Antônio Simas escreveu que "escola de samba é experiência cotidiana de criação e fortalecimento de laços comunitários. Desfile é um detalhe que pode dar certo ou não". Antes dele, Roberto DaMatta também já escrevia sobre este fenômeno e é esta parte do carnaval que me interessa: o exercício da vida em comunidade que vem sendo cada vez mais esmagado pelo capitalismo.

Eu não consigo não me emocionar e chorar com minha União da Ilha, e só vou deixar de fazer isso no dia em que morrer, mas confesso que o recente financiamento da Beija-Flor por um ditador me deixou incomodado, me colocou em dissonância cognitiva que eu precisava resolver de alguma forma.

Se hoje temos um dos maiores espetáculos do mundo, agradeça à contravenção. Foi o que disse o Neguinho da Beija-Flor. Jogo do Bicho, tráfico, milícias, governos corruptos, é isso que faz a festa. Diante deste quadro, como unir meu amor à comunidade com o crime que extorque e tira vidas? Como unir minha paixão pelo carnaval com o dinheiro sujo de sangue de um ditador africano? Procurei muito achar motivos que me deixassem tranquilo em aceitar o financiamento do tráfico brasileiro e repudiar o dinheiro da Guiné. Até achei alguns, como ser a favor da legalização das drogas e do jogo do bicho e contra governos como o de Teodor, por exemplo. Mas quer saber? Foda-se! Vou assumir minha condição humana e contraditória e conviver com isso. Ansioso para o carnaval de 2016.

terça-feira, 3 de fevereiro de 2015

Violências cotidianas

Sou homem, branco, classe média e com nível superior. No Brasil essa condição me coloca numa situação bem confortável.

Não sofro o assédio que as mulheres sofrem apenas por serem mulheres;
Não sofro o preconceito que os negros sofrem apenas por serem negros;
Não sofro a violência que os homossexuais sofrem apenas por serem homossexuais.

Poderia incluir nesta lista outros grupos sociais e agressões, mas sabemos muito bem o quanto determinadas pessoas sofrem por serem como são ou pelas escolhas de vida que fizeram. Só estando na pele delas para compreender de fato o quão difícil é, mas alguns exercícios podem ser feitos para nos ajudar a perceber que devemos lutar para acabar de vez com isso.

Outro dia vi uma matéria sobre dois homens heterossexuais que saíram de mãos dadas na Inglaterra. Uma câmera escondida filmou a reação dos transeuntes nas ruas. Lembro de um outro vídeo que mostra uma mulher que registrou as cantadas que levou ao longo de um dia. Violências cotidianas.

Vivi uma situação parecida. Faltando duas semanas para o carnaval, saí fantasiado de Pequena Sereia para a bicicletada de carnaval. Um homem se achou no direito de encostar em mim e puxar minha peruca. Encarei e travamos uma discussão. O argumento dele: sai vestido de mulher na rua tem que aceitar.

Eu tenho que aceitar ser violentado.

Tento imaginar o que travestis e mulheres cis precisam enfrentar todos os dias. Pessoas que são obrigadas a aceitar serem abusadas diariamente por serem mulheres (sim, travestis são mulheres).

Aceitar ser violentado é muito cruel. Estou cercado de pessoas maravilhosas, mas não posso esquecer que são muitos os indivíduos que pensam como o sujeito acima, que acreditam que determinados seres humanos precisam aceitar a brutalidade como se fosse natural.

Outra situação que me coloca em risco é quando estou pedalando. Já levei um tapa do cobrador de uma van enquanto pedalava pelo canto da Estrada do Galeão, em situação regular. Sem falar das cortadas e finos, dos xingamentos.

Essas minhas pequenas experiências me fazem refletir muito sobre a índole da humanidade. Até aceito que houve melhoras ao longo da história, o mundo já foi muito mais violento, mas ainda há muito o que mudar.

Estamos vivendo a era mais pacífica da história humana. Nos anos 40, de cada 100.000 pessoas 300 morriam em decorrência da guerra. Agora é menos de 1. 

Em 2001, 557 mil pessoas foram assassinadas no mundo. Em 2008, esse número caiu para 289 mil. A taxa de homicídio caiu em 75% das nações.

quarta-feira, 28 de janeiro de 2015

Carnaval, marchinhas e lista dos blocos de rua da Ilha do Governador - 2015

Bloco de carnaval temático com músicas do Raul Seixas, Chico Buarque, rock, brega e, no fundo do poço, Los Hermanos. Um fenômeno comum no Rio que tem assustado muito folião tradicional.

Antigamente jornais realizavam concursos e a partir de dezembro as rádios já começam a tocar as marchinhas, quando fevereiro chegava as músicas estavam na boca do povo. Essas canções hoje em dia não possuem mais espaço na mídia e o concurso realizado pelo Fantástico acontece na véspera dos festejos, e sem divulgação elas não ganham a rua.

Adoro dançar a Cabeleira do Zezé, Cidade Maravilhosa, Quem Não Chora Não Mama entre outras, mas a falta de renovação do repertório, com novas marchinhas, enjoa mesmo. É esse tipo de coisa que dá espaço para surgimento dos blocos temáticos.

Felizmente tem muita gente produzindo marchinhas excelentes hoje em dia, o que me faz acreditar em um retorno popular deste gênero musical. Um exemplo é o Roni Valk, que conheço da época da Fetaerj, finalista no concurso do Fantástico com o a Marchinha Literária. Vota lá.

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quinta-feira, 22 de janeiro de 2015

Bicicletas e emancipação feminina

Nas contagens de bicicletas que a Transporte Ativo* costuma fazer é comum os resultados mostrarem mais de 90% dos ciclistas do sexo masculino. Nas ruas não é difícil comprovar essa estatística, de fato existem muito mais homens pedalando do que mulheres. Uma recente pesquisa revelou que o motivo disso não é o medo do trânsito ou aquela falsa fragilidade feminina, mas sim a mesma coisa que exclui as mulheres de diversos outros espaços: o patriarcado e o machismo, que colocam-nas como únicas responsável pelas atividades domésticas e cuidados com os filhos, deixando-as de fora de muitas outras funções sociais, das chamadas "coisas de homem".


Sou um Bike Anjo, voluntário que ensina pessoas a pedalar. Todo primeiro domingo do mês estou nos jardins do Museu de Arte Moderna (MAM), no Aterro do Flamengo, multiplicando a quantidade de ciclistas na cidade. A maioria das pessoas que aparece para aprender é composta por mulheres. Homem, quando vai, geralmente está acompanhado da namorada, que certamente teve papel fundamental no apoio moral para ele resolver assumir que não sabe pedalar e procurar ajuda. Homem sozinho é muito raro, e acho que o motivo é o mesmo citado acima. O macho não pode pedir ajuda, não pede informação. Isso é demostrar fraqueza.  

Para mim não importa o gênero de quem aparece na Escola Bike Anjo (EBA)**, mas confesso que fico mais feliz quando elas aparecem. É muito mais difícil ser mulher, elas ganham menos em seus empregos, sofrem muito mais repressão social do que nós e possuem mais responsabilidades. Como homem, diminuir meu machismo é uma atividade árdua e diária, reprogramar o cérebro e mudar de conceitos e ideias não é fácil, mas estou sempre tentando. Quero promover também a igualdade entre os gêneros, e ajudar uma mulher a andar de bicicleta é contribuir com sua emancipação. 

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* A Transporte Ativo é uma ONG que objetiva estimular o uso da bicicleta como modal de locomoção;
** A Escola Bike Anjo acontece todo primeiro domingo do mês, das 14h30 às 17h, nos jardim do MAM. Em Niterói acontece no terceiro domingo no Teatro Popular, das 16h30 às 19h. Curta nossa página no Facebook.

quinta-feira, 18 de dezembro de 2014

Quem anda de bicicleta não presta

Quem anda de bicicleta não presta, hoje nós sabemos disso. São pessoas não qualificadas”.
Este foi o depoimento dado por um senhor recentemente para o Estadão numa reportagem sobre ciclovias e que acabou virando um meme entre os ciclistas. Se prestar significa pensar esse tipo de barbaridade, então eu felizmente faço parte do ainda pequeno grupo daqueles que não prestam, com muito orgulho.

Em outra situação, o comerciante tem todos seus argumentos contra a implementação de ciclovias respondidos pelo secretário de transporte. Não satisfeito, no final ele sai com essa pérola: "Por que que vou andar de bicicleta agora com 64 anos? Bem para saúde é médico, hospital e remédio". Amigo, médico, hospital e remédio é doença, não saúde.


Quando a decisão é tomada no campo emocional, é muito difícil de ser mudada. Mesmo assim vamos lá:
  • A consulta pública sobre se o paulistano quer ou não ciclovias foi feita nas urnas, no plano de governo do prefeito eleito;
  • As bicicletas começam aparecer com a construção da estrutura cicloviária. A demanda reprimida é em média de 60%, segundo pesquisas realizadas pelo mundo, ou seja, mais da metade das pessoas entrevistadas respondeu que começaria a pedalar se houvesse mais segurança e ciclovias;
  • As ciclovias e fechamento de ruas para carros em Nova Iorque e Portland aumentaram em 50% o faturamento dos comerciantes, visto que é mais fácil ver os produtos das lojas e estacionar quando se está a pé ou de bicicleta;
  • As ciclovias aumentaram a velocidade das ruas e diminuíram os engarrafamentos, e isso aconteceu porque muita gente começou a pedalar e a quantidade de carros diminui;
  • A rua é pública e merece ser usada de forma pública. Quando se cria uma ciclovia numa área que antes funcionava como estacionamento, o que está sendo feito é mudar o uso privado, para guarda de um objeto privado (o carro), para uso público, com várias pessoas utilizando o espaço para locomoção. Criar ciclovias é fortalecer a democracia.
Não sou contra o carro, muito pelo contrário, mas uma cidade precisa oferecer segurança a todas as formas de locomoção e a possibilidade de utilizar diversos modais em um trajeto. Incentivar o uso da bicicleta é bom para todos.

terça-feira, 9 de dezembro de 2014

Quantas vidas a rua salvou?

É muito fácil se acomodar com a vida. Quando menos se espera estamos fazendo tudo igual. Trabalho para casa, casa para o trabalho. A diversão se resume a encher a cara de cerveja nos mesmos botequins. Sair para fazer alguma coisa diferente dá uma puta preguiça. De repente a barriga está enorme e vestimos chinelo e camiseta para ir até em festa de casamento.

Escrevo isso por experiência própria, me tornei uma caricatura do Homer Simpson. O resultado foi uma separação, terapia, frangalhos da minha auto-estima e uma das piores fases da minha vida. Me olhava no espelho achando que morreria sozinho, que ninguém se interessaria por uma alguém como eu.

Felizmente consegui reverter a situação. Tracei alguns planos (escritos no blog Falta eu Acordar) e agora sou o oposto do que fui.


O que me salvou foi a rua. Redescobri a paixão em pedalar, em ocupar as praças e militar por causas coletivas. Conheci a mulher com a qual pretendo passar o resto da vida, gente com interesses em comum e este ano participei de dois eventos incríveis em São Paulo, com pessoas que estão lutando para construção de cidades melhores.

Morar numa metrópole e ter acesso à internet potencializa a arte do encontro. Seja qual for seu interesse, é possível conhecer pessoas com os mesmos gostos e encontrá-las. Para o bem e para o mal. As ferramentas estão aí, disponíveis para quem quiser.

É muito fácil calcular quantas vidas foram ceifadas nas ruas, mas é extremamente difícil calcular quantas foram salvas por elas.

sexta-feira, 5 de dezembro de 2014

Sobre saúde (a sua e a do planeta)


Tenho muito respeito por tudo que como e, principalmente, por todos aqueles que cozinham para mim. Simpatizante do slow food, movimento contrário ao fast food e que prega que o momento da refeição deve ser de tranquilidade e prazer, que valorize produtos artesanais produzidos localmente, tento me alimentar da forma mais responsável possível.

Uma das coisas que comecei a fazer é evitar carne. Isso significa que a proteína animal só entra no meu cardápio, muitas vezes, nos finais de semana, numa mesa de bar em forma de petiscos com amigos. A produção de carne emite mais gases nocivos ao meio ambiente do que os veículos motorizados.

Evito a soja da mesma forma que faço com a carne, já que a produção deste grão é o maior responsável pelo desmatamento da Amazônia e pelo uso de agrotóxicos. Parece bobagem, mas existem previsões de que 2015 será o ano mais quente já registrado, e a produção de alimentos tem forte impacto nisso, inclusive na falta de chuva que recentemente se abateu sobre São Paulo.

Isso sem levar em consideração a crueldade com os animais. Os bichos são criados em sistema de confinamento, a fazendinha que estampa as embalagens dos produtos é mero produto de marketing.

Tento fazer com que minha alimentação seja composta por ingredientes frescos, frutas, legumes e verduras, de procedência nacional, arroz e feijão. Eventualmente compro orgânicos, mas é difícil ir à feira da Glória aos sábados e não se sentir roubado pelos altos preços.

Claro que não sou radical, como alimentos industrializados vez por outra, assim como refrigerante, mas me esforço em ter um consumo mais consciente.

Além de ser melhor para o planeta, isso tem impacto na  minha saúde também. Passei dois anos sem tomar nenhum tipo de medicamento, nem uma aspirina, porque simplesmente não fico doente. Tenho uma dor de cabeça vez por outra, um princípio de inflamação na garganta e só. As atividades físicas que pratico contribuem também para o fortalecimento do corpo.

O vídeo acima mostra dois futuros possíveis. O da esquerda um senhor que ao longo da vida se alimentou de forma saudável e praticou atividades físicas. O da direita fez escolhas opostas. Me diga uma coisa: qual dos dois você quer para sua velhice?

quarta-feira, 8 de outubro de 2014

O quê você faz?


Na Finlândia, quando se conhece alguém e perguntamos o que ela faz, a resposta não é o trabalho, mas o hobby. Pode ser aeromodelismo, xadrez, ciclismo, montanhismo ou qualquer outra atividade, as pessoas se identificam primeiro com com o que elas fazem quando não estão trabalhando. Além disso, os finlandeses trabalham apenas seis horas por dia em locais que ficam a quinze minutos de casa.


Aqui no Brasil e em muitos outros países, quando fazemos a mesma pergunta a resposta é a profissão. Sou advogado. Analista de RH. Auxiliar administrativo. Não que o trabalho não seja uma forma de realização, pelo contrário, mas muitas vezes dedicamos tempo demais e acabamos não fazendo outras coisas que também são prazerosas.

Até quando não estamos trabalhando estamos pensando em alguma forma de conseguir uma promoção ou amento de salário. Fazemos cursos, especializações, línguas, sempre com temas ligados às atividades profissionais que desenvolvemos. Quem não tem vontade de, ao invés daquele curso de marketing, estudar gastronomia, por exemplo? E trocar aquela pós-graduação em finanças todo sábado de manhã por aulas de literatura ou pintura? Você já parou para pensar quando foi que reservou um tempo para você fazer algo que realmente gosta?

Por isso quero propor um exercício. Se você tivesse que se apresentar para alguém e essa apresentação não pudesse citar seu trabalho, como seria? Qual a atividade que você faz ou gostaria de fazer com a qual se apresentaria na Finlândia? Se você também trabalhasse apenas seis horas por dia, a 20 ou 30 minutos de casa e tivesse tempo para se dedicar a algum hobby, qual seria?

Agora que fizemos esse exercício, peço duas reflexões: o que você está esperando para começar? É sério que vai deixar a vida passar e dedicar toda sua energia ao trabalho? A segunda reflexão: será que é possível um dia sermos como a Finlândia e trabalhar apenas seis horas por dia e não gastar mais que uma hora (ida e volta) para casa?

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Transcrição da abertura e slide da minha palestra Bicicletas, Planejamento Urbano e Felicidade.

sábado, 4 de outubro de 2014

O Rio é rua e a rua é a extensão da minha família

Paulo Leminski
Sou filho de migrantes nordestinos. Depois de casar, meu pai veio para o Rio e só quando conseguiu emprego trouxe minha mãe. Final da década de 70, uma história comum para muita gente que quis tentar a sorte no Sul Maravilha. Por conta disso, meu núcleo familiar aqui é muito pequeno, apenas meus pais e meu irmão. Na Paraíba somos muitos, todo ano é organizada uma mega festa que tenta reunir a maior quantidade possível de membros em um hotel. Ainda não fui, mas está em meus planos beber umas cervejas com essas pessoas com as quais divido o sangue e que há muitos anos não vejo.

A família da minha mulher também é numerosa. Oriunda de Ribeirão Preto, estive lá há pouco para conhecê-los. Obviamente rodei a cidade, queria saber como se dá a relação dos munícipes com os espaços públicos, um dos focos do meu ativismo.

A vida na rua no Rio é uma coisa única. A forma como o carioca ocupa praças, parques e calçadas não se vê em outras cidades, e meu etnocentrismo inicialmente não gostou de Ribeirão. Não há festa nas esquinas. Não há bandas musicais tocando debaixo de árvores. Não se sente o cheiro do dendê que sai do tacho da baiana e que se espalha pelos quarteirões. São poucas as áreas verdes. Aquilo me sufocou e não consegui me imaginar morando ali. 

Por outro lado, vi relações familiares muito fortes entre os Ribeirões Pretanos. Famílias numerosas morando uns próximos aos outros. Quem não mora perto, vai estar com os seus quase todo final de semana. Churrascos e aniversários são motivos para reuniões animadas e, entre brigas e declarações de amor, estão sempre todos juntos. Só então entendi que a rua, para mim, exerce um papel parecido com o da família.

No Rio os núcleos familiares são pequenos, talvez por conta da migração, como no caso dos meus pais, talvez pelo encastelamento em condomínios por parte da classe média com medo da violência. Isso fez com que a rua e as relações dela resultantes suprisse as lacunas deixada por este enfraquecimento.

O Rio é rua e a rua é a extensão da minha família.

Sei que estou correndo o risco de ter escrito uma grande besteira, mas precisava colocar isso para fora.

quinta-feira, 2 de outubro de 2014

Carta aberta à André Abreu


Nasci e fui criado na Ilha do Governador. A bicicleta é meu principal meio de transporte. Escrevo este texto para André Abreu, que admitiu publicamente ter derrubado ciclistas na Linha Vermelha propositalmente enquanto dirigia seu carro a 120km/h. Poderia ter sido eu o derrubado. Minha mãe poderia estar agora chorando em cima do meu caixão. Por isso espero que ele leia meus comentários.

Comecei a pedalar por um trecho da Linha Amarela e Vermelha para fugir da cracolôndia da Avenida Brasil, ou seja, procurando uma rota mais segura. Era comum relatos de assaltos praticados naquela área e por isso iniciei esta prática.

Morando na Ilha e trabalhando no Centro, fiz esse trajeto pedalando, ida e volta, diariamente durante aproximadamente um ano. Posso dizer por experiência própria que a Linha Vermelha é mais segura pelos seguintes motivos: a pista é mais larga, o asfalto é melhor e há poucas entradas e saídas. Subo na via pela Ponte do Saber e desço em São Cristóvão. Na volta, subo no Caju e desço no Fundão, ou seja, não preciso atravessar nenhuma agulha.

Além de procurar um caminho mais seguro para chegar ao trabalho, pedalar na rua é para mim um ato político. É uma reivindicação de uso da bicicleta como meio de transporte, principalmente quando faço isso em um local dito proibido.

A forma como a cidade é planejada privilegia o carro. A maior parte dos investimentos públicos é feita para beneficiar o transporte individual. A ponte estaiada de São Paulo é um exemplo recente de como os governantes administram a cidade. Custou 200 milhões de reais e só é permitida a travessia por veículos motorizados. Pedestres e ciclistas estão proibidos de atravessar o rio por ela.

Apenas 20% das pessoas se locomovem de carro, ocupando 80% do espaço das ruas. Enquanto isso, o resto das pessoas, ou seja, 80%, precisa se espremer nos 20% restantes das vias. Para piorar, a maior parte do investimento visa apenas construir mais espaços de uso exclusivo dos carros. Esses números precisam ser alterados. Incentivar o transporte público, a bicicleta e o pedestre é uma questão de democracia. Mais recursos para beneficiar mais pessoas.

Quando pedalo pela Linha Vermelha estou dizendo que existo, que me locomovo de bicicleta e que a cidade precisa ser planejada para gente como eu também. Durante muito tempo nós fomos deixados de lado, mas agora reivindicamos políticas públicas que nos beneficiem. Não é possível mais admitir que novas pontes, viadutos e estradas sejam construídas sem que se pensem na gente. É possível e São Paulo está consertando este erro histórico criando ciclovias nas marginais. É um projeto piloto que deve ser estendido para outras vias. Nada deve parecer impossível de mudar e eu acredito que ações como essa possam ser feitas no Rio.

O mais assustador dessa história é que diariamente dezenas de crianças se arriscam entre os carros na Linha Vermelha vendendo biscoitos e bebidas. Não são apenas crianças trabalhando, são crianças em um trabalho insalubre e perigoso. Não entendo como essa situação não chame mais atenção do que ciclistas procurando uma rota mais segura em seus trajetos.

Esse tipo de pensamento que o André expressou um dia será extinto. Aos poucos, através da nossa militância, estamos contribuindo para acabar com esse tipo de comportamento. Chamar um jogador negro de macaco não é mais um comportamento aceitável. Fazer chacota com o sotaque da Miss Ceará não é mais um comportamento aceitável. Ameaçar ciclistas com carros não é mais um comportamento aceitável.

Faço questão de frisar que nós combatemos idéias e comportamentos racistas e violentos. Nossa luta não é contra as pessoas, por isso rechaço todas as ameaças que o André está sofrendo.

Eu não mereço ser atropelado. Sou uma pessoa querida pelos meus amigos, dedico boa parte da minha vida militando pela construção de um mundo mais justo. Trabalho numa das principais organizações que denunciou a fome no Brasil, contribuindo para que o país deixasse recentemente o mapa da fome da ONU. Pauto minha vida no respeito ao próximo e as dezenas de amigos que tenho não ser furtarão a declarar o quanto isso é verdade. Mas independentemente disso, mesmo sem considerar a conduta e valores morais de qualquer pessoa, ninguém merece ser atropelado e morto por pedalar pela cidade.

O André tem a filha na foto de perfil do Facebook. Será que não passou pela cabeça dele que aquelas pessoas que ele derrubou e que poderia ter matado também não possuíam filhas, e que elas pudessem estar esperando os pais em casa, assim como a dele estava? Mas tendo filhas ou não, sendo cidadão de bem ou não, ninguém merece ser atropelado por pedalar pela cidade.

O engraçado é que o André reclamou que o ciclista estava trafegando em um local proibido e dirigia seu carro a 120km/h em uma pista que possui velocidade máxima permitida de 100km/h. É sempre assim, a maior parte das reclamações que ouço na Linha Vermelha vem de motoristas que assistem DVDs presos aos painéis, que dirigem com uma mão, falam ao celular ou motociclistas que não trafegam pela faixa obrigatória da direita. Pessoas que reclamam daqueles que infringem regras infringindo regras.

Depois da repercussão que o caso teve, André divulgou um texto que não explica o que aconteceu. Lendo alguns comentários de seus amigos, vi pessoas falando de Deus para dar suporte a ele. Na boa, não entendo como sempre Deus é citado para justificar atitudes criminosas e violentas. Deve ser por isso que sou ateu, Deus para mim deveria significar amor e não ódio.

Outro argumento citado é que não é mais possível dar opinião. Vejam bem, opinião é uma coisa, incitar o crime, o ódio e a violência é outra coisa completamente diferente. Viver em uma democracia não significa que você pode sair por aí matando os outros.

Essa história está apenas no início e não pode acabar assim. Denunciei como crime de ódio na Polícia Federal e espero que ele seja chamado para prestar depoimento. Peço que todos façam o mesmo. Divulguem e denunciem o caso.

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De boa! E escrevendo sem rodeios ... bicicleta tem lugar certo de andar ... esses pseudo ciclistas que andam na Linha vermelha sentiram o deslocamento de ar de uma massa com mais de 1.5Ton a 120km/h conhecido e batizado carinhosamente como #hulk e foram parar no chão... não tenho pena! Lugar de carro é na RUA e bicicleta é em ciclovias 1.2m de distancia é o KCT... não me venham com puritanismo babaca pq passo por cima da magrela sem dó! Não vou por minha integridade física em risco por causa de modinha! 0 direito de um ciclista de ir e vir acaba onde começa o do motorista de ir e vir! Afinal ninguém apoiou o menino quando ele se meteu com um tigre então não se arrisque se não quer acabar machucado! — se sentindo sem direitos! (André Abreu)

quarta-feira, 24 de setembro de 2014

#HaddadPresidente #Haddad2018

Intervenção no Cristo para alertar sobre as mudanças climáticas
O Brasil saiu do mapa da fome, não carregaremos mais esta vergonha. Uma das notícias mais importantes da nossa história passou completamente despercebida pela nossa imprensa. O motivo: notícias boas vão favorecer a Dilma e o PT.

Sou ativista, além de trabalhar numa das instituições da sociedade civil que mais contribuiu para o fim da insegurança alimentar no país, dedico meu tempo a temas como mobilidade, alimentação saudável e desenvolvimento sustentável. Participo de coletivos que realizam intervenções na cidade que estimulam a reflexão sobre temas como direitos humanos e mudanças climáticas. Uma das ações mais incríveis que fizemos foi a projeção mapeada no Cristo Redentor. A foto acima não é montagem.

A criação de cidades mais humanas é um dos focos da minha atuação. Acredito que o planejamento urbano adequado pode contribuir para que as pessoas sejam mais felizes. Parques, praças, ciclovias, moradias adequadas, transporte público eficiente, espaços onde as pessoas possam interagir com outras contribuem com diminuição da violência, conforme já escrevi aqui em algumas postagens (Rua para pessoas e Carnaval, futebol e revolução, por exemplo).

Essa pequena introdução é para falar que estou acompanhando de perto as transformações que estão sendo feitas pelo prefeito de São Paulo, Fernando Haddad. Há pouco tempo fui até lá ver de perto, pedalei pelas novas ciclovias e participei de festival CoCidade. São pequenas ações que estão colocando a Terra da Garoa nos moldes de cidades como Amsterdã e Copenhague. Mas o Brasil não é a Europa, dizem os pessimistas, mas eu acredito que é possível um dia atingirmos o mesmo nível de respeito ao próximo.

Parklet: vagas de estacionamento estão virando pequenas praças

Para isso, está sendo necessário enfrentar o status quo, o pensamento comum, e não é fácil, principalmente quando se tira os espaços para os carros com a criação de faixas exclusivas para ônibus, ciclovias e parklets. O planejamento urbano não pode mais continuar privilegiando o carro por vários motivos, mas vou citar apenas um: apenas 20% das pessoas se locomovem de carro, ocupando 80% das vias. Enquanto isso, 80% das pessoas precisam se espremer nos 20% restantes de ruas que sobram. Ou seja, privilegiar o transporte público, a intermodalidade e veículos sem motor é questão de democracia e justiça.

O Plano Diretor Estratégico de São Paulo, que regula a utilização do espaço público, foi elogiado por diversos grupos ativistas e tem como premissas a criação de moradias populares no Centro, adensamento populacional em regiões próximas a troncos de transporte, criação de áreas verdes e desestímulo ao uso de carro (saiba mais).

Times Square: antes e depois.
Outro dia assisti uma palestra da Janette Sadik-Kha, responsável pela transformação que Nova Iorque sofreu nos últimos 10 anos. Ela espalhou parques e ciclovias por todos os cantos e fechou a Broadway para carros, o que seria o equivalente a fechar a Rio Branco. Colocou um novo mobiliário urbano (foram mais de mil bancos) e diminuiu a quantidade de vagas de estacionamento, transformando a vida das pessoas e virando exemplo para o mundo. Comerciantes contrários às modificações, já que pensavam que perderiam clientes por causa da eliminação das vagas para carros em frente às suas lojas, tiveram um considerável incremento nas vendas, já que é mais fácil parar e entrar em um estabelecimento quando se está a pé ou de bicicleta.

O sistema de transporte público lá é muito melhor do que aqui, o que contribuiu para essas mudanças fossem implementadas, por isso também temos que abraçar a luta pela melhoria dos trens, metrôs e ônibus. A batalha para a construção de cidades mais humanas e felizes possui diversas frentes.

Muitas dessas cidades que hoje são exemplos já foram violentas, poluídas e degradadas. A mudança é possível, basta participação popular e políticos comprometidos conosco, e não com empreiteiras e empresas de ônibus, como é comum por aqui, já que são grandes financiadores de campanhas.

Claro que Haddad não é perfeito, mas tem se mostrado um prefeito a frente de seu tempo e gostaria de dizer que quero vê-lo como candidato à presidência em 2014.

#haddapresidente #haddad2018

segunda-feira, 1 de setembro de 2014

Mijar no trem é malandragem

- Mijar no trem é malandragem. Não coloca o corpo todo para fora não senão você cai. Mija pra lá, o vento tá pra lá. Agora me dá a mochila e vai.

E foi depois de receber estas instruções que, usando um dos pés como calço, me encaixei entre as portas do trem, mantidas abertas a poucos centímetros uma da outra por dois passageiros, com metade do corpo para fora da composição em movimento, abri a braguilha com a mão esquerda, já que a direita estava para dentro segurando um copo de cerveja, e comecei a urinar. Demorou um pouco para sair, normal em momentos de tensão, mas a vontade era tanta que me submeti a esta situação e consegui, enfim, me aliviar.

Demorei um pouco para terminar e estava preocupado com a possibilidade do trem parar e me deixar, literalmente, com o pau na mão na estação, mas felizmente isso não aconteceu.

O samba comia solto no ramal Paracambi e havia fila na porta que era utilizada como mictório pelos passageiros. As mulheres, depois soube, também se aliviavam no trem, mas lá dentro mesmo, protegida por amigas que faziam às vezes de parede.

Samba no trem
Samba no trem

Minha namorada é antropóloga e a acompanhei até a Central do Brasil durante uma de suas saídas para pesquisa etnográfica. A ideia inicial era filmar uma baiana de acarajé que organiza uma gira de macumba às sextas. Gravar com um celular naquela região não é atividade para iniciantes, requer todo um jogo de cintura já que o local é palco de diversas atividades ilícitas. É preciso ficar atento aos olhares dos personagens que habitam aquele ambiente e tomar a iniciativa para explicar o motivo da gravação. Depois informar que era para uma pesquisa de doutorado, que não éramos jornalistas, ganhávamos a simpatia das pessoas e abertura para conversa.

Foi para dar uma dessas explicações que paramos em um grupo de trabalhadores que bebiam cerveja depois de uma semana de trabalho. Ouvimos e demos muitas gargalhadas com as histórias que nos foram contadas. Minha namorada diz que a Central é a maior encruzilhada do Rio, afirmação com a qual concordo.

Começamos a beber com eles, outros foram chegando e descobrimos que alguns são músicos amadores e que toda sexta realizam um pagode no trem. Fomos convidados e obviamente aceitamos. Depois de encher um grande saco com cerveja e gelo, entramos em uma composição que, por causa do evento, me parecia mais cheia que as outras. Uma pequena roda é organizada no meio e a música começa tão logo as portas fecham.

O Antônio (nome fictício), que desde o início nos ciceroneou, vez por outra explicava as regras de funcionamento do evento. Podia fumar, mas maconha e cocaína não. Homens, para urinar, tinham que se arriscar pendurados para fora. Às mulheres era permitido se aliviar dentro do trem, com ajuda de outras como proteção dos olhares curiosos. Apesar do ambiente descontraído, é comum a ação de punguistas que levam carteiras dos desprevenidos. Então, um olho no samba e outro nos seus pertences. Uma senhora que tinha respeito dos demais, cigarro numa mão e cerveja na outra, ficava sentada vigiando as mochilas.

Os bancos serviam como camarote, com as mulheres mais novas sambando em cima deles. Não contei, mas a viagem durou mais de uma hora. O pagode costuma acabar em Nova Iguaçu, mas quando fica muito animado segue até Queimados e parte dos integrantes pega o trem de volta. Foi o que aconteceu naquele dia.

Foram muitos os personagens que conhecemos, muitas as histórias que ouvimos. Material suficiente para muitas postagens ou para uma tese de doutorado. Estaremos de volta na próxima sexta, no legítimo trem do samba.

Vídeo gravado na ocasião