A rua é um lugar perigoso, um mal necessário para chegarmos, dentro de nossos carros, a locais protegidos e com segurança particular, como os shoppings. Só mendigos e bandidos gostam das ruas. Nós, cidadãos de bem, temos que ficar longe delas. Acabem com as praças, esses antros de vagabundos, e construam condomínios no lugar delas.
Infelizmente esse discurso tem crescido entre boa parte da população. Hoje não vou analisar o por quê desse incremento, mas sim o motivo pelo qual devemos lutar contra ele e voltar nos apropriar dos espaços públicos.
Segregar fisicamente as pessoas tem consequência terríveis. Por que no Oriente Médio palestinos e israelitas estão em guerra? Porque existe um muro separando os dois. O mesmo acontece nas Coréias e no Aparthaid. Aqui na Saara árabes e judeus convivem pacificamente com suas lojas uma ao lado da outra. Já que ambos comungam do mesmo espaço, é possível perceber que não são tão diferentes.
Trazendo isso mais para mais perto nossa realidade, para o microcosmo diário, os condomínios fechados com seus muros funcionam como em Gaza. Juntam pessoas com um mesmo perfil social, com mesma visão de mundo, e a falta de contato com o diferente é um ambiente propício para o surgimento do ódio.
Esse comportamento já vem sendo observado há tempos. Urbanistas recentes, comprometidos com a criação de cidades não violentas e felizes, estão colocando em pauta novas formas de planejamento, nas quais o convívio nos espaços públicos é estimulado como forma de diminuir a intolerância. Rico Benjamim diz que
Condomínios fechados criam um ciclo vicioso porque atraem moradores com um mesmo perfil que procuram abrigo do mundo exterior e cujo isolamento físico, então, piora a paranóia coletiva contra estranhos.
Já para Jeff Risom
Conviver com quem é diferente nos ensina a ser mais tolerantes, e essa é uma premissa importante para melhorar a qualidade de vida nas cidades.
Prefeitura arranca bancos na Lapa. A destruição do mobiliário público que incentiva o convívio e a permanência na rua está sendo destruído (fonte). |
Lembro certa vez de uma reportagem na televisão sobre um BBB que tinha acabado de sair da casa com o maior índice de rejeição já registrado. Ao ser entrevistada na rua, uma senhora destilou raiva contra ele, dizendo o quanto não prestava. De repente, o cidadão aparece e, imediatamente, a senhora que segundos antes estava detonando o rapaz o abraça e beija, com um sorriso que me pareceu muito sincero. Também são fartas as fotos de Bolsonoro abraçado com Amin, artista assumidamente homossexual. São exemplos miúdos, mas representativos do quanto a proximidade física é fundamental para a boa convivência e respeito.
Na minha visão utopista, imagino todas as classes sociais, etnias, gêneros e religiões convivendo juntos nas praças e ruas da cidade, olhando o próximo de perto e se reconhecendo nele.
O diabo como aquele que separa
Outro dia, dando uma palestra sobre isso tudo numa instituição religiosa, fui abordado por um monge que me contou uma história que me deixou perplexo. Segundo ele, um dos significado da palavra diabo é separar, ou seja, a origem do mal está na segregação entre as pessoas. O diabo é aquele de divide, aparta, afasta. Há milhares de anos isso já é sabido, e mesmo assim continuamos fazendo tudo ao contrário.
A bicicleta contra ódio
Minha militância passa pela ocupação dos espaços públicos através de atividades culturais e da bicicleta. Sou bike anjo, um voluntário que ensina pessoas pedalar. Num primeiro momento, ensinar alguém se locomover sobre duas rodas pode parecer só isso, mas existe todo esse fundo político de ocupação das ruas e do combate à discriminação e ao ódio.
Como bike anjo tenho contato com pessoas fantásticas. No dia 8 de março, em comemoração ao Dia Internacional da Mulher, fui pedalar usando saia, um ato simbólico contra o machismo. Aproveitei o domingo para realizar um atendimento, acompanhando uma pessoa que sabia andar de bicicleta mas que tem medo de enfrentar o trânsito. Por coincidência, era um homem trans e militante da causa. Foi um dia fantástico, mais uma excelente pessoa que entrou na minha vida por causa da bike.
Pedalar é fazer parte da cidade por inteiro, sem muros (ou carrocerias) nos separando dela. É conexão total, meio como os Avatares fazem quando se plugam nas árvores. É saber compartilhar o espaço público, é contato olho com olho com as pessoas, ao ponto de nos vermos refletidos no outro. É perceber que não somos tão diferentes assim, e que no fundo buscamos as mesmas coisas.
Pedalar é fazer parte da cidade por inteiro, sem muros (ou carrocerias) nos separando dela. É conexão total, meio como os Avatares fazem quando se plugam nas árvores. É saber compartilhar o espaço público, é contato olho com olho com as pessoas, ao ponto de nos vermos refletidos no outro. É perceber que não somos tão diferentes assim, e que no fundo buscamos as mesmas coisas.
Mas a luta é dura e às vezes penso que estamos perdendo. Esta semana a prefeitura derrubou bancos que ficavam numa pequena praça na Lapa. Moradores pediram isso, alegando que mendigos usavam o espaço para dormir. E assim vamos segregando.
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